Cerco de Bintão

Cerco de Bintão, 1526
Conflitos luso-malaios

A Ilha de Bintão.
Data 1526
Local Bintão, Insulíndia
Desfecho Vitória decisiva portuguesa
Beligerantes
Império Português Sultanato de Bintão
Sultanato de Pão
Comandantes
D. Pedro Mascarenhas
  • Tuão Mafamede
Sultão Mamude de Malaca
Sultão Mamude de Pão
Forças
1 galeão, 3 naus, 2 caravelas, 1 galé, 1 galeota, 5 fustas, 2 bateis
600 soldados portugueses
300 auxiliares malaios
número não registado de marinheiros e escravos de peleja
30,000 homens[1]
20 lancharas[2]
Sultão de Pão:
30 lancharas
2000 homens[3]
Baixas
Poucas ou nenhumas Desconhecidas
Campanhas coloniais portuguesas
Conflitos prolongados mostrados em negrito
Data  Região 
1415 Ceuta
1437 Marrocos
1458 Marrocos
1468 Marrocos
1471 Marrocos
1478 Guiné
1487 Marrocos
1490 Marrocos
1501–02 Índia
1502 Índia
1503 Índia
1504 Índia
1506 Índia
1507 África Oriental
1507 Hormuz
1508 Índia
1509 Índia
1510 Índia
1511 Malaca
1514 Marrocos
1515 Marrocos
1517 India
1521 China
1522 China
1523 Arábia
1526 Índia
1531 Índia
1538 Índia
1541 Mar Vermelho
1541 Mar Vermelho
1542 África Oriental
1546 Índia
1548 Arábia
1551 Arábia
1552–54 Arábia
1553 Golfo Pérsico
1558 Brasil
1559 Índia
1561 Japão
1562 Marrocos
1567 Brasil
1568 Malaca
1569 Achém
1570–75 Índia
1580–83 Oceano Atlântico
1580–89 Oceano Índico
1581 Damão
1587 Jor
1601 Java
1606 Malaca
1606 (ago) Malaca
1612 Índia
1614 Brasil
1619 Ceilão
1622 China
1622 Angola
Data  Região 
1624 Brasil
1625 Pérsia
1625 Brasil
1625 Costa do Ouro
1629 Malaca
1630 Brasil
1631 Brasil
1638-39 Índia
1671 Angola
1637 Costa do Ouro
1638 Índia
1638 Brasil
1639 Índia
1640 Brasil
1640–41 Malaca
1645 Brasil
1647 Angola
1648 Brasil
1648 Angola
1649 Brasil
1652–54 Brasil
1654 (mar) Ceilão
1654 (mai) Ceilão
1665 Angola
1670 (jun) Angola
1670 (out) Angola
1696–98 Mombaça
1710 Brasil
1711 Brasil
1729-32 Índia
1735–37 Banda Oriental
1752 Índia
1756 América do Sul
1761–63 América do Sul
1762–63 Sacramento
1768-69 Angola
1774-78 Angola
1776–77 América do Sul
1809 Guiana Francesa
1816–20 Banda Oriental
1821–23 Brasil
1846 China
1849 China
1850-62 Angola
1855-74 Angola
1890–1904 Angola
1907 Angola
1914–15 Angola
1917–18 Moçambique
1954 Índia
1961 Índia
1961–74 África
• 1961–74 Angola
• 1963–74 Guiné-Bissau
• 1964–74 Moçambique

O Cerco de Bintão de 1526 foi uma operação militar em que as forças portuguesas comandadas por D. Pedro Mascarenhas sitiaram, atacaram e arrasaram a cidade de Bintão, capital do antigo senhor de Malaca, o sultão Mamude.

Contexto

Os portugueses encontravam-se em guerra com o sultão Mamude de Malaca desde 1509. Em 1511 o governador da Índia Afonso de Albuquerque conquistou-lhe a sua capital, a grande cidade de Malaca, que controlava estratégico Estreito de Malaca. O sultão sobreviveu à batalha e retirou-se com as suas tropas para Bintão, reino insular que usurpou; ali construiu uma nova cidade e uma frota de guerra, com a qual continuamente assediava Malaca e a navegação dos portugueses no Estreito.

O capitão de Malaca, D. Pedro de Mascarenhas, já antes enviara uma frota de navios de remo para bloquear a cidade de Bintão.[4]

Promovido pelo rei D. João III a governador da Índia em 1526 mas preso em Malaca devido aos ventos contrários, o capitão decidiu aproveitar o grande número de soldados que havia na cidade para pôr termo à ameaça que o sultão Mamude representava.[5]

Em primeiro lugar o capitão pôs em circulação o boato de que se preparava para construir uma fortaleza no Estreito de Sunda.[5] Partiu de Malaca a 23 de Outubro de 1526 com um galeão, uma nau grande, duas naus pequenas, duas caravelas, uma galé, uma galeota, cinco fustas e dois bateis equipados com paveses e artilhados com pesados camelos, canhões de elevado calibre, e na frota transportava cerca de 600 soldados portugueses.[5] Apoiavam-nos um número de "escravos de peleja" que ficou por registar e 400 auxiliares malaios, comandados por Tuão Mafamede.[5]

O cerco

A cidade de Bintão situava-se sobre uma pequena ilha ligada por uma ponte fortificada a uma ilha maior em forma de crescente que a rodeava. Os portugueses constataram que as defesas de Bintão passavam pelos pântanos de mangue que inviabilizavam os desembarques ou tornavam-nos arriscados, complementados por um fosso que rodeava a cidade, estacas de madeira afiadas e envenenadas, e uma alta estacada equipada com artilharia.[5] Os navios de maior calado como os galeões e as naus só conseguiam aproximar-se da cidade por um estreito canal de águas mais profundas mas que se encontrava barrado por centenas de estacas, encastradas em pedras semelhantes a mós, enterradas no lodo, que só permitia passar entre elas os navios pequenos, em ziguezague.[5] Num pequeno outeiro no meio da cidade situava-se o palácio fortificado do sultão Mamude, protegido por outra estacada. A frota do sultão, porém, encontrava-se reduzida a 20 unidades que haviam sobrevivido à recente Batalha de Linga contra os portugueses.[2]

Ainda que o Mascarenhas pudesse tomar a cidade de assalto com recurso aos seus navios ligeiros a remo, optou por uma abordagem mais segura, mas mais demorada, de retirar as centenas de estacas que bloqueavam o canal e permitir que os navios pesados se aproximassem e bombardeassem a cidade antes de a conquistarem.[2]

A aproximação à cidade

Navios portugueses ilustrados por D. João de Castro no Roteiro do Mar Roxo de 1540.

Os portugueses começaram por bombardear uma estacada artilhada que o sultão Mamude mandara construir sobre uma ilha à entrada do canal, tarefa que foi feita pelo galeão, uma nau e os dois bateis protegidos com paveses, cobertos com grossos tapetes de corda.[2] Iniciado o bombardeamento, a guarnição malaia da estacada respondeu disparando a sua própria artilharia mas esta era mais ligeira que a dos portugueses.[2] Vendo-se incapazes de causar estragos aos navios dos portugueses, as tropas do sultão abandonaram a ilha após uma hora de duelo e os portugueses capturaram ali 20 peças de artilharia.[2] No dia seguinte, os portugueses procederam de forma igual contra outra estacada localizada noutra ilha e que foi também abandonada pelos malaios após um breve combate.[2]

Neutralizadas as baterias de artilharia malaias, os portugueses deitaram mãos à obra a retirar as centenas de estacas que impediam o avanço dos grandes navios, feitas de uma madeira chamada pelos portugueses "pau-ferro", sob fogo da artilharia do sultão instalada na cidade mas cujo tiro era errático e causava poucos feridos.[6]

Para arrancar as estacas foram construídas no galeão, na nau e numa das caravelas fortes gavietes, espécie de braços salientes com uma roldana; cada estaca era amarrada a um cabo ligado ao cabrestante e puxada, operação morosa e fatigante que demorava 30 minutos por estaca e só podia ser executado durante a maré cheia.[6]

Passados dez dias, os portugueses foram atacados por uma esquadra de 30 lancharas e 2000 homens enviados por um aliado do sultão Mamude, o sultão de Pão, que por então também se encontrava em guerra com os portugueses.[6] Esta frota combateu com as galeotas, fustas, lancharas e calaluzes dos portugueses mas após um breve combate deram meia volta e bateram em retirada, tendo os malaios perdido 18 lancharas que vararam em terra para os portugueses.[6]

Passados 24 dias, todas as estacas haviam já sido retiradas e os portugueses ancoraram a sua frota perto do principal baluarte que defendia a cidade e a ponte.[7]

Batalha dentro do canal

Muito cedo pela manhã seguinte, as lancharas do sultão, comandadas pelo seu almirante em pessoa, atacaram de surpresa uma galé e uma caravela dos portugueses, que se encontravam ancoradas mais próximas da cidade.[7] Os dois navios foram aferrados e abordados, porém os guerreiros malaios viram-se incapazes de dominá-los antes de chegar D. Pedro Mascarenhas em pessoa com 20 soldados numa pequena embarcação, que atacou as lancharas com granadas de pólvora e os bateis equipados com artilharia pesada.[7] Os malaios foram obrigados a fugir e 13 lancharas foram apresadas; entre os mortos contava-se o almirante do sultão.[7]

Conquista da cidade

D. Pedro Mascarenhas.

Durante o combate fugiu para o lado dos portugueses um rapaz malaio oriundo de Malaca, que indicou ser mais fácil atacar a cidade pela ponte, informação confirmada por um prisoneiro português que naquela noite fugiu da cidade, por entre o lodo e ainda com grilhetas nos pés.[7]

Com base nestas informações D. Pedro Mascarenhas elaborou um plano para o assalto final que envolvia uma manobra de diversão. Muito cedo na manhã seguinte, o Mascarenhas desembarcou 100 soldados portugueses e 300 auxiliares malaios na ilha em que se situava a cidade de Bintão e, sob a protecção da artilharia dos navios, construiram uma tranqueira ou barricada com pipas cheias de terra, equipada com berços e falcões, peças ligeiras de artilharia, na praia a oeste da cidade.[8] Crendo os malaios que os portugueses se preparavam para atacar por ali, concentraram as suas tropas no baluarte que defendia a cidade por aquele lado.[8]

Por volta da meia-noite, porém, o Mascarenhas embarcou em pessoa com 300 soldados portugueses, 100 escravos de peleja e em silêncio e na escuridão desembarcaram todos no lodo da ilha em formato de crescente a norte do canal, que por vezes os cobria até à cintura, guiados pelo rapaz de Malaca e pelos prisioneiros fugitivos de Bintão.[8][9] Atravessaram depois a faixa de mangue por entre as raízes e ramos até chegarem a terra firme.

Chegada a alvorada, D. Pedro Mascarenhas e os portugueses atacaram a tranqueira que defendia a entrada para a ponte do lado ocidental com o lançamento de granadas de pólvora e os seus poucos defensores, apanhados de surpresa, foram rapidamente obrigados a fugir para a cidade assim que começaram a entrar os portugueses.[8] Entretanto, a frota abriu fogo sobre a cidade e os seus tripulantes desembarcarm ao som das trombetas, que dirigiu para aquele lado e para longe da ponte as tropas do sultão.[8] A cidade de Bintão foi então atacada pela ponte e quando os malaios se aperceberam que os portugueses estavam a entrar por ali, tentaram fazer-lhes frente mas foram atacados pelos que esperavam na tranqueira na praia. A Até os marinheiros participaram no assalto atirando granadas de pólvora e por volta das 10 da manhã já a cidade tinha sido completamente tomada.[8]

Rescaldo

Bandeira naval e de guerra com a Cruz da Ordem de Cristo.

Não morreu nenhum português na tomada de Bintão.[10] A conquista de Bintão foi um dos feitos mais espectaculares da História militar portuguesa, tendo D. Pedro aniquilado as forças inimigas e alcançado totalmente todos os objectivos.[10]

Os portugueses capturaram na cidade ricos despojos, entre os quais se incluiam 300 peças de artilharia.[11] A cidade foi depois incendiada. As ilhas de Bintão foram devolvidas ao seu antigo sultão, que aceitou tornar-se um vassalo ou aliado de Portugal.[8][12]

O Sultão Mamude escapou à destruição da sua cidade e fugiu para a ilha grande. Poucos dias depois da tomada da cidade chegou a Bintão um aliado dos portugueses, o Sultão de Linga, com 18 lancharas e calaluzes, que ajudou a tentar capturar o Sultão em fuga mas sem sucesso.

Nos arredores da cidade os portugueses capturaram, porém, grande parte da Corte do sultão, os seus servidores, o seu harém e parte do seu tesouro real, tendo ali sido mortos muitos que não conseguiram fugir a tempo.[12] O harem foi oferecido ao sultão de Linga. D. Pedro Mascarenhas manteve-se em Bintão durante 15 dias, a capturar e a dividir os despojos, a organizar a viagem de regresso e a organizar expedições para procurar os guerreiros fugitivos do sultão, porém os portugueses descobriram ser impossível persegui-los pela selva dentro.[13]

O sultão escapou por entre a selva e fugiu para Campar, em Sumatra, tendo ali morrido dois anos mais tarde.[8]

A derrota do antigo sultão de Malaca em Bintão impressionou muitos senhores e sultões do sudoeste Asiático, em torno do Estreito de Malaca e muitos enviaram embaixadas aos portugueses a requerer a assinatura de tratados, o que rendeu a Malaca muitos anos de prosperidade.[14]

Ver também

Referências

  1. Gaspar Correia, Lendas da Índia 1862, livro III, Academia Real das Sciencias de Lisboa, p.86
  2. a b c d e f g Monteiro: 1991, p.105.
  3. Correia, 1862, p.85
  4. João de Barros: Décadas da Ásia, decade IV, book I, p.28
  5. a b c d e f Saturnino Monteiro: Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa 1139-1975 volume II, Livraria Sá da Costa Editora, 1991, p.103.
  6. a b c d Monteiro: 1991, p.106.
  7. a b c d e Monteiro: 1991, p.107.
  8. a b c d e f g h Monteiro: 1991, p.109-110.
  9. Correia, 1862, 88
  10. a b Monteiro, 1991, p. 111.
  11. João de Barros: Décadas da Ásia, decade IV, book I, p.38
  12. a b Correia, 1862, 91
  13. Correia, 1862, p.91.
  14. Correia, 1862, 92.